I.
A primeira Lua Cheia foi a de sábado, 19 de Março - equinócio a dar início à Primavera, a marcar a sucessão implacável dos dias, mesmo dos dias felizes, especialmente dos dias felizes.
Dia de estar com os Pais, com a família; um bebé nasceu, outro comemora 1 ano inteirinho com 365 dias irrepetíveis, as crianças aproveitam o dia e as suas oportunidades, um tio envelhece 10 anos num repente, alguém da minha idade luta pela vida, fingindo que é só um pequeno nada maçador que apareceu sem pedir licença e que vai já embora, como uma chamada de call centre que podemos aturar só enquanto nos apetece, os adolescentes aborrecem-se sonolentos pelos cantos, como é suposto, ignorando que nunca terão esse tempo de volta, que os dias e os meses passarão e nunca mais vão sentir tédio, só a vertigem causada pela aceleração do tempo.
Lá em cima, a terminar o dia, a Lua Cheia de equinócio de Primavera, de uma luminosidade quase violenta; o seu reflexo, no mar calmo da Guia, quase encantador. Mas desta Lua não guardei registo, só na memória e nestas palavras.
II.
A segunda Lua Cheia encontrei-a na Casa das Histórias. Sete salas cheias de peças escolhidas por Paula Rego entre a colecção do British Council e contam-se pelos dedos de uma mão as coisas de que gostei.
Esta foi para mim a melhor - aviso que a imagem abaixo não lhe faz justiça. É por isso que gosto de museus e galerias. A dimensão, a cor, a textura, os contrastes, o traço, importam e muito. Só assim ganham vida a crueza da luz lunar, os ciprestes nos quais o velho fixa o olhar, os ciprestes para os quais caminham os enamorados que a criança de olhos pesados aponta, a postura tipicamente felina, em economia de esforço, do gato escanzelado com que a criança absorta brinca.
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Michael Ayrton - Full Moon - 1948/1949 |
III.
A terceira Lua Cheia veio arrastada pela segunda, que me levou a revisitar um dos meus favoritos de quem me trouxe verdadeiramente à exposição - Paula Rego. Fecha-se o ciclo, completa-se o puzzle. A família, as fases da vida, as gerações que se sucedem, a saudade, a comemoração do presente e o abismo que fica já ali ao lado. Também aqui a Lua e o mar servem de pano de fundo.
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Paula Rego - A Dança - 1988 |
Olá
ResponderEliminarSim, há poucas coisas tão implacaveis como o tempo. Faça-se o que se fizer ele... passa!
Esta um bocadinho fatalista mas está fixe.
Manda mais.
Olá,
ResponderEliminarMuito bom este texto. Sempre gostei muito do que escreves e não sei porquê este fez-me recuar à nossa adolescencia. Tenho saudades nossas !!!!!
Vai escrevendo que eu vou lendo!!!!
Beijinhos
Marta
@Marta
ResponderEliminarFeliz ou infelizmente não partilho a saudade da adolescência... mas não é nada contra ti, estávamos todos no mesmo barco :)
as partes boas (tipo quando me divertia, divertia mesmo, as sensações e sentimentos avassaladores, etc) não compensam todo o resto chato e comprido e entediante. ah, e também havia sempre aquela sensação de inadequação e isolamento no matter what. e também... bem, depois escrevo um post. ou vários. pensando bem, talvez seja melhor um livro.
e voltamos àquela velha favorita - youth is wasted on the young.
beijinho
Mas eu concordo contigo, o teu post fêz-me recuar à adolescencia e ter saudades NOSSAS,não da adolescencia própriamente dita.... não sei se me faço entender!!!
ResponderEliminarBeijinhos