20 fevereiro 2011

Cisne negro /Um cisne fora de palco

Na notícia do Público "Um cisne fora de palco", a autora compara a representação do que é a vivência actual de uma bailarina/ companhia de bailado vs a que é representada no filme Cisne Negro. O ponto de partida até poderia ser interessante, mas o resultado não convence nada.

My two cents...

1. Um filme não é um documentário nem um reality show... nem tem que ser, felizmente! Quem pensa que é, anda tão enganado sobre tanta coisa, que é só um mal menor ficar com uma ideia eventualmente errónea do que é uma companhia de bailado.
2. O enredo poderia passar-se noutro qualquer contexto de trabalho exigente - todos estão sujeitos a enorme pressão. O enfoque é na desagregação patológica e total da personagem principal e está bem contextualizada, interpretada e de uma forma muito consistente para o que posso avaliar.
3. O coreógrafo é apresentado como um monstro abusador. Mas na verdade é o que está sob a maior pressão e só faz pecadilhos menores... Em última análise a cabeça dele é a que mais está no cepo. Tem que gerir a ex-prima ballerina, a nova prima ballerina, que é uma aposta muito arriscada, a competitividade de todas as outras, assegurar que tem um plano B se o plano A não funcionar, tem que inovar, agradar a quem pode fazer ou desfazer a reputação da Companhia, angariar apoios, ser firme, carismático, desafiar e tirar o máximo dos "recursos" que tem... Outro filme poderia ser feito, e bem interessante, sobre a sua experiência paralela no mesmo contexto. Mas claro que maniqueisticamente tem que ser considerado no artigo como o "chefe womanizer".
4. É ainda desancado o realizador por tirar partido do "género feminino dualista que distingue a mulher controlada-ingénua-inexperiente e a mulher livre-sensual-madura. É como se a primeira fosse o ponto de partida e a segunda o ponto de chegada". Parece-me claro que cada mulher deve ter e tem efectivamente cada vez mais liberdade para ser o que quiser, de santa a prostituta com todas as gradações pelo meio (por favor leiam isto com a ironia com que escrevi). O que se vê no filme não é nada do que é descrito: há uma mulher que está refém de si própria e de uma imagem de perfeição, não tem liberdade, não tem escolha, não se permitiu ou teve força para ter as experiências que seriam naturais. E faz claramente parte do amadurecimento ter experiências ou pelo menos a possibilidade de as ter. E depois escolher o que se quer ser, que papel/ papéis adoptar. E em artes performativas, para interpretar um determinado papel, pode não ter que se ser como o personagem, nem é isso que se pretende. Mas tem certamente que se ter os recursos interiores para se conseguir exprimir algo. Mais uma vez parece ser a autora do artigo a maniqueísta, não o filme.

Disclaimer/ declaração de interesses: não tenho qualquer relação com Darren Aronofsky, o elenco ou as companhias produtoras e distribuidoras do filme :)

19 fevereiro 2011

Saudade

Os meus queridos mortos invadiram-me os pensamentos. Não sei de onde vieram, mas instalaram-se e puseram-me lágrimas nos olhos. De saudade, de ternura.

Há toda a distância que a memória interpõe entre mim e eles enquanto vivos e que faz com que sejam pequenos pormenores que se tornam evocativos de tudo o que aquela pessoa era, é, para mim. 

A avó V e a sua galeria de imagens desbotadas de santos, que eu adorava percorrer ou dizendo o "adeus à Virgem" com um pequeno lenço branco, em frente à televisão.

O avô J, que me chamava o seu "coração pequenino" enquanto me apertava (demasiado) os braços em volta do seu pescoço.

A avó B, que morreu sendo jovem apesar de já andar pelos 80 e o seu relato dos piropos que os rapazes lhe atiravam, a sua expressão gaiata ao lembrar-se disso; o seu comentário em relação a mim (que não devia ter ouvido) "não é bonita mas é fachadenta".

O tio C, que nunca me chamou senão "Rosa", não sendo este claramente o meu nome. Andar com ele pela rua e dar pacotes de açúcar à cadela Laika.

E outros que vão preenchendo uma galeria que vai crescendo lentamente.

Tão completos e vivos, mas tão distantes.

É por todos eles, pela sua ausência, pela irreversibilidade da partida, pelo reencontro que nunca mais há-de haver, por mim, por nós, que sempre choro desconsoladamente em cada enterro.

Às vezes até despropositadamente, que a proximidade ou a falta dela não davam direito a tanto aos olhos de quem não sabe porque choro na verdade.

Espero conseguir merecer ocupar o mesmo lugar para alguém (daqui a muito, muito tempo, de preferência!) - pequenas M, J, F?

18 fevereiro 2011

Eleanor Rigby

9 anos morta em casa.
e os cães, os gatos, os pássaros.
os frutos a apodrecer, as batatas a germinar.
a solidão, o direito a ela, a ser-se deixado em paz. será isso mau?
na cidade tem-se o supremo luxo da privacidade, do anonimato.
não será justo que se pague o preço em indiferença?
quem vive sozinho não terá ganho o direito a morrer sozinho?
os animais é que não escolheram nada, muito menos morrer.
alguém se lembra de Eleanor Rigby?