19 fevereiro 2011

Saudade

Os meus queridos mortos invadiram-me os pensamentos. Não sei de onde vieram, mas instalaram-se e puseram-me lágrimas nos olhos. De saudade, de ternura.

Há toda a distância que a memória interpõe entre mim e eles enquanto vivos e que faz com que sejam pequenos pormenores que se tornam evocativos de tudo o que aquela pessoa era, é, para mim. 

A avó V e a sua galeria de imagens desbotadas de santos, que eu adorava percorrer ou dizendo o "adeus à Virgem" com um pequeno lenço branco, em frente à televisão.

O avô J, que me chamava o seu "coração pequenino" enquanto me apertava (demasiado) os braços em volta do seu pescoço.

A avó B, que morreu sendo jovem apesar de já andar pelos 80 e o seu relato dos piropos que os rapazes lhe atiravam, a sua expressão gaiata ao lembrar-se disso; o seu comentário em relação a mim (que não devia ter ouvido) "não é bonita mas é fachadenta".

O tio C, que nunca me chamou senão "Rosa", não sendo este claramente o meu nome. Andar com ele pela rua e dar pacotes de açúcar à cadela Laika.

E outros que vão preenchendo uma galeria que vai crescendo lentamente.

Tão completos e vivos, mas tão distantes.

É por todos eles, pela sua ausência, pela irreversibilidade da partida, pelo reencontro que nunca mais há-de haver, por mim, por nós, que sempre choro desconsoladamente em cada enterro.

Às vezes até despropositadamente, que a proximidade ou a falta dela não davam direito a tanto aos olhos de quem não sabe porque choro na verdade.

Espero conseguir merecer ocupar o mesmo lugar para alguém (daqui a muito, muito tempo, de preferência!) - pequenas M, J, F?

3 comentários:

  1. Ainda hoje me fartei de pensar o tema. Vesti umas cucas que me foram oferidas pela minha amiga Magalhães numa altura em que eu era magra e ela viva... e agora pude repescar, as cuecas :)

    A ela repesco-a quotidianamente como se estivesse por cá, mas simplesmente não andassemos com tempo para convívios, como era costume.

    O melhor que pudemos oferecer a quem cá ainda anda é mesmo o tempo. Nem que seja só uns momentos suficientes para trocar palavras de amor tipo "és cá uma fachadenta" :)

    beijo fachadento, embora não saiba o que isso. mas se era aplicável à tua pessoa deve ser bom :)

    marisa

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  2. sempre achei que a minha avó queria dizer que eu não era bonita, mas que era "vistosa".

    googlando:
    http://www.joraga.net/alentejo_livro/pdf07_Alentejo_glosario_28p.pdf
    "Mum fachadento - bem apessoado; bom aspecto;"

    acho que não andei muito longe da verdade...

    olha, quem tem razão é o josé cid :D "vem, viver a vida amor, que o tempo que passou não volta mais!"

    bj

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  3. mana,

    deixaste-me a mim de lágrimas nos olhos também...

    ...porque me revi por completo nas tuas palavras
    ...porque partilhamos memórias, e apesar de tão diferentes, as duas, sentimentos próximos
    ...porque apesar da leveza que pões no tema, me fizeste vislumbrar um cenário que nunca tinha sequer imaginado e me faz sentir um aperto

    Vou ver se fico com a imagem da fachadenta porque preciso de forças e ânimo para atacar um cesto que a Oksana deixou de arrumar por mim!

    xi.

    Ana

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