10 abril 2011

Tempos extraordinários

Se calhar é a minha mania de viver deslumbrada com a vida e as possibilidades que ela oferece, mas saltam-me à vista várias consequências positivas do sobressalto em que vivemos.

Uma delas é o despertar de consciências para a coisa pública. Tornou-se demasiado óbvio que o nosso percurso individual não independe do colectivo.

Há uma grande camada de pessoas, jovens e nem tanto, mas com preparação suficiente para o fazer, que de repente estão a interessar-se por economia, pelo funcionamento da sociedade extraordinariamente complexa em que vivemos e que começam a ter ideias políticas.

Não nos esqueçamos que a democracia em Portugal é jovem e a literacia (mais ou menos...) alargada ainda o é mais.

Chocaram-me pela sua miopia os comentários mais ou menos generalizados de muitos entronizados do costume e de quem os segue que exigiam que os portugueses que se manifestaram massivamente nas ruas em Março apresentassem soluções para tudo e caminhos para tanto. Isso existe em manifestações promovidas por sindicatos, partidos políticos, ou quejandos. Esta iniciativa foi outra coisa.

Esta é uma altura de tomada de consciência, ainda que tardia. Muitas pessoas já têm as suas ideias e estão disponíveis para participar, outras estão ainda à procura da sua voz. Mas há muita gente a pensar e a sentir-se desconfortável cujo próximo passo será contribuir activamente.

Enquanto tudo correu no business as usual quem quis saber o que é dívida soberana ou parcerias público privadas? Enquanto o bolo foi chegando para a maioria, quantos se preocuparam em saber de onde ele vinha e se perguntaram se mereciam comê-lo?

Só cidadãos interessados e informados poderão criar uma sociedade civil mais atenta, intolerante com desgovernos em todos os campos e mais participativa e exigente consigo própria. Which is nice.

21 março 2011

2 dias e 3 Luas Cheias em Cascais

I.
A primeira Lua Cheia foi a de sábado, 19 de Março - equinócio a dar início à Primavera, a marcar a sucessão implacável dos dias, mesmo dos dias felizes, especialmente dos dias felizes.

Dia de estar com os Pais, com a família; um bebé nasceu, outro comemora 1 ano inteirinho com 365 dias irrepetíveis, as crianças aproveitam o dia e as suas oportunidades, um tio envelhece 10 anos num repente, alguém da minha idade luta pela vida, fingindo que é só um pequeno nada maçador que apareceu sem pedir licença e que vai já embora, como uma chamada de call centre que podemos aturar só enquanto nos apetece, os adolescentes aborrecem-se sonolentos pelos cantos, como é suposto, ignorando que nunca terão esse tempo de volta, que os dias e os meses passarão e nunca mais vão sentir tédio, só a vertigem causada pela aceleração do tempo.

Lá em cima, a terminar o dia, a Lua Cheia de equinócio de Primavera, de uma luminosidade quase violenta; o seu reflexo, no mar calmo da Guia, quase encantador. Mas desta Lua não guardei registo, só na memória e nestas palavras.

II.

A segunda Lua Cheia encontrei-a na Casa das Histórias. Sete salas cheias de peças escolhidas por Paula Rego entre a colecção do British Council e contam-se pelos dedos de uma mão as coisas de que gostei.

Esta foi para mim a melhor - aviso que a imagem abaixo não lhe faz justiça. É por isso que gosto de museus e galerias. A dimensão, a cor, a textura, os contrastes, o traço, importam e muito. Só assim ganham vida a crueza da luz lunar, os ciprestes nos quais o velho fixa o olhar, os ciprestes para os quais caminham os enamorados que a criança de olhos pesados aponta, a postura tipicamente felina, em economia de esforço, do gato escanzelado com que a criança absorta brinca.

Michael Ayrton - Full Moon - 1948/1949

III.

A terceira Lua Cheia veio arrastada pela segunda, que me levou a revisitar um dos meus favoritos de quem me trouxe verdadeiramente à exposição - Paula Rego. Fecha-se o ciclo, completa-se o puzzle. A família, as fases da vida, as gerações que se sucedem, a saudade, a comemoração do presente e o abismo que fica já ali ao lado. Também aqui a Lua e o mar servem de pano de fundo.

Paula Rego - A Dança - 1988


12 março 2011

Protesto colectivo - Para memória futura

Foto Publico.pt

"Tive" mesmo que ir. E ainda bem que fui.

Mesmo com os contras.

Mesmo tendo percebido que "no meu círculo" a leitura do protesto não era a mesma que a minha. E fará sentido participar de uma iniciativa colectiva se a mensagem que passa não for a que nós pretendemos? Ou até contra a que pretendemos?

Fica o memo da coisa:

- É possível mobilizar e organizar as pessoas num protesto político, mas sem partidos, sindicatos e quejandos a orquestrar;
- Foi claramente uma manifestação de mal estar com a falta de justiça, integridade, transparência, equidade, meritocracia que pautam a vida colectiva do país;
- A heterogeneidade dos participantes era enorme - universitários, famílias com bebés, crianças e adolescentes, pessoas de meia idade, idosos. Tanto quanto se pode julgar pelo aspecto das pessoas (e pode-se julgar bastante, habitualmente...), também o ecleticismo de estratos sociais era significativo;
- A forma de dar corpo ao próprio manifesto foi muitas vezes criativa e inteligente (por exemplo o "acetato gigante" dizendo "Queremos mais transparência" ou a gigantesca bandeira portuguesa que no lugar da esfera armilar exibia um "+-").

Dou razão a quem diz que é fácil protestar e criar consensos mesmo entre aqueles que têm divergências irreconciliáveis* quando não se propõem soluções concretas.

Tenho no entanto a convicção que a motivação para construir pode ser grande quando se sabe que há muitas pessoas, muito diferentes, mas com uma ideia em comum.

E aqui a ideia é que assim não podemos mais continuar.

* Hoje na Avenida da Liberdade compuseram a manta de retalhos, para além da maioria composta por cidadãos que não vestiam outra camisola que não a sua, portadores de cartazes de agradecimento ao "camarada Estaline", skinheads, um grupo pelo planeta e os animais, entre muitos outros... concerteza que terão ideias muito diferentes sobre as soluções a adoptar, se é que têm alguma, em muitos casos.

PS: Não há nada tão poderoso como uma ideia cujo tempo chegou (Victor Hugo, citado de cor i.e. sem rigor :)).

08 março 2011

Protesto colectivo - participar ou não?

O meu historial de participação em "manifestações" públicas é pequeno.

Cronologicamente, houve a PGA, Timor, muito mais recentemente os direitos dos animais e a overdose homeopática. O número de participantes decresce com a progressão cronológica.

Isto é, estou a tender claramente para a manifestação de uma pessoa só. (Dêem-me mais um evento ou 2 :D)

Agora estou num dilema. Participar ou não no protesto marcado para dia 12 de Março - que teve a génese na manifestação da geração parva ou à rasca ou enrascada ou lá o que se queira chamar, mas que já cresceu muito para além disso - o facebook pariu uma montanha.

Recorrendo então ao velho método dos pros e cons:

Pro
  • Sinto-me zangada com várias coisas e com vontade de o dizer. Não em nome próprio, mas de forma geral.
  • A principal "coisa" é a falta de justiça. Não há equidade na distribuição dos esforços e dos proventos, não vejo a actual máquina do Estado em geral como uma pessoa de bem/ justa, falta meritocracia em geral, a justiça dos tribunais não funciona como devia.
  • Acho uma lástima para o país que algumas das pessoas mais bem preparadas para fazer a diferença estejam sub aproveitadas e/ou a sair.
  • Não vejo uma estratégia nem rumo para mudar o estado das coisas. E eu própria não vejo claramente como fazer parte da solução. Parece-me óbvio por esta altura que ser uma "boa cidadã" cumpridora das minhas obrigações (fazer o melhor que sei e posso no trabalho, na família, em sociedade, votar e pagar os meus impostos,...) é insuficiente.
  • Sinto quem me rodeia sem apetência para a coisa pública, mesmo quem já a teve e participou activamente. Quantas são as pessoas de bem que estão disponíveis para a política, para os seus compromissos inevitáveis e os ataques pessoais?
  • Um grande pro - dar visibilidade a um mal estar que é transversal - a gerações, estratos sociais e profissionais. Mandar uma mensagem de que há coisas que é imperativo que mudem (não vou especificar mais, senão fico aqui para sempre...).
Con
  • Não me apetece aparecer no head count sensacionalista dos oportunistas que tiram partido do quanto pior melhor, partidos políticos, media e arautos da desgraça incluídos.
  • Não quero ser confundida com uma protestante-contra-a-precariedade-dos-recibos-verdes e pró-emprego-para-toda-a-vida-mesmo-que-não-valha-deliberadamente-o-que-como. É que a política defendida por estes últimos é em grande parte responsável pela iniquidade dos falsos recibos verdes e é um entrave à meritocracia. Tanto quanto sei, é praticamente impossível despedir a pessoa mais inepta, preguiçosa, desleal, improdutiva e até sem integridade desde que esta cumpra um mínimo muito mínimo de regras.
  • Gosto mais de estar do lado de quem propõe soluções do que de quem só chama a atenção para os problemas.
  • Não estarei lá para protestar em nome próprio, mas em termos mais gerais. Não tenho uma "agenda pessoal" específica e quero que isso fique claro.
Parece que os pros são mais do que os cons...

07 março 2011

Outras cherrypickers

Querendo ir para o meu próprio blog, escrevi distraidamente o endereço http://cherrypicking.blogspot.com/ e dei com outra cherrypicker, no quarto que queria que fosse meu e esta abandonou em 2007.

Uma cherrypicker distante de mim, geograficamente, na idade e estilo de vida.

Em comum o género feminino, a vontade de escrever, de ter um espaço e de lhe dar um mesmo nome.

Lembrei-me de Virginia Woolf e de 'A room of one's own'.

Todas encontramos o nosso, se quisermos.

06 março 2011

Céptica patológica, moi?

Um destes dias uma das minhas mais queridas e antigas amigas apelidou-me de céptica patológica. Reconheço-me na parte do céptica, mas patológica???

Na verdade nunca fui grande fã de treta. E a coisa tem "piorado" bastante com o tempo. Será porque o meu sentido crítico tende a aumentar? Será porque a quantidade de treta a que estamos expostos tem aumentado e muito? Acho que ambas são verdade.

Enquanto estava a crescer, a margem de manobra para a treta era mais escassa. Havia menos canais de televisão, donde, menos oportunidades para documentários manhosos, menos comentaristas "especializados", menor nº de revistas, livros e quantidade de produção científica, etc. Também não havia (infelizmente) Internet e as fontes de informação "credível" eram bastante mais controladas (enciclopédias, livros e manuais técnicos,...).

Hoje, (felizmente) o manancial de informação a que temos acesso/ somos expostos é incomensurável. A produção de informação, seja científica, de entretenimento ou uma mistura de ambos cresce exponencialmente.

Assim, cada vez é mais crítico estarmos com o radar de detecção de treta ligado na sua máxima potência. Claro que não é possível sabermos tudo sobre todos os assuntos, mas frequentemente o método diz muito sobre o conteúdo.

Dêem-me factos, números, tendências, estatísticas, referências cruzadas, coerência e eu fico feliz.

Opiniões sem base sustentada, argumentos de autoridade, falácias, senso comum não servem e cada vez me impacientam mais.

Assim, se alguém achar isto patológico, paciência. Mas acreditem que eu não me sinto nem um bocadinho doente.

PS: skeptics shall inherit the Earth :D

20 fevereiro 2011

Cisne negro /Um cisne fora de palco

Na notícia do Público "Um cisne fora de palco", a autora compara a representação do que é a vivência actual de uma bailarina/ companhia de bailado vs a que é representada no filme Cisne Negro. O ponto de partida até poderia ser interessante, mas o resultado não convence nada.

My two cents...

1. Um filme não é um documentário nem um reality show... nem tem que ser, felizmente! Quem pensa que é, anda tão enganado sobre tanta coisa, que é só um mal menor ficar com uma ideia eventualmente errónea do que é uma companhia de bailado.
2. O enredo poderia passar-se noutro qualquer contexto de trabalho exigente - todos estão sujeitos a enorme pressão. O enfoque é na desagregação patológica e total da personagem principal e está bem contextualizada, interpretada e de uma forma muito consistente para o que posso avaliar.
3. O coreógrafo é apresentado como um monstro abusador. Mas na verdade é o que está sob a maior pressão e só faz pecadilhos menores... Em última análise a cabeça dele é a que mais está no cepo. Tem que gerir a ex-prima ballerina, a nova prima ballerina, que é uma aposta muito arriscada, a competitividade de todas as outras, assegurar que tem um plano B se o plano A não funcionar, tem que inovar, agradar a quem pode fazer ou desfazer a reputação da Companhia, angariar apoios, ser firme, carismático, desafiar e tirar o máximo dos "recursos" que tem... Outro filme poderia ser feito, e bem interessante, sobre a sua experiência paralela no mesmo contexto. Mas claro que maniqueisticamente tem que ser considerado no artigo como o "chefe womanizer".
4. É ainda desancado o realizador por tirar partido do "género feminino dualista que distingue a mulher controlada-ingénua-inexperiente e a mulher livre-sensual-madura. É como se a primeira fosse o ponto de partida e a segunda o ponto de chegada". Parece-me claro que cada mulher deve ter e tem efectivamente cada vez mais liberdade para ser o que quiser, de santa a prostituta com todas as gradações pelo meio (por favor leiam isto com a ironia com que escrevi). O que se vê no filme não é nada do que é descrito: há uma mulher que está refém de si própria e de uma imagem de perfeição, não tem liberdade, não tem escolha, não se permitiu ou teve força para ter as experiências que seriam naturais. E faz claramente parte do amadurecimento ter experiências ou pelo menos a possibilidade de as ter. E depois escolher o que se quer ser, que papel/ papéis adoptar. E em artes performativas, para interpretar um determinado papel, pode não ter que se ser como o personagem, nem é isso que se pretende. Mas tem certamente que se ter os recursos interiores para se conseguir exprimir algo. Mais uma vez parece ser a autora do artigo a maniqueísta, não o filme.

Disclaimer/ declaração de interesses: não tenho qualquer relação com Darren Aronofsky, o elenco ou as companhias produtoras e distribuidoras do filme :)